FESTIVAL ARTE ATUAL: COISAS SEM NOMES | 2015 | Instituto Tomie Ohtake
DIÁLOGO 2
- Estão rachando.
- O quê?
- As coisas de argila, estão rachando.
- As esculturas?
- Bom, se você quiser chamar aquilo de escultura.
- Ué, o que mais seriam, senão esculturas? Estão em bases, são feitas de argila, ficam equilibradas, lembram formas que reconhecemos da História da Arte.
- Isso! Lembram, mas nunca estão “à altura”, por assim dizer. Você acha que está vendo uma forma muito sóbria, cujos contornos resultam do choque entre o peso da matéria e o gesto conformador do artista e – de repente – percebe que aquilo não se leva tão a sério. Sabe, você olha para o lado e tem outra peça, um disco achatado ovoide com cortes que, ao remover pedaços da argila, fazem o desenho de uma cara, um tipo de máscara bidimensional!
- Você quer dizer que parece escultura, se comporta como escultura, mas não obedece às normas da escultura?
- Não obedece a nenhum tipo de norma, oscila por inúmeras possibilidades. O artista conta o peso da argila que ele usou e o tempo que demorou, mas isso não explica nada. É um arbítrio total.
- Uma variação do informe.
- O informe por variação.
- E isso ao lado daquele desenho gigante, aquele campo vasto de grafite negro, super-saturado, com as cores flutuando.
- Que é um pouco um proctoplasma, uma gosma, um campo pictórico em que pontos de cor, traços e manchas vivem em suspensão.
- A forma como abismo, salto no vazio pontuado de esboços incompletos de símbolos, gráficos e feições.
- Outra “coisa”.
- Outra forma que poderia ser definitiva e qualificada, mas aparece como “coisa” por ter algo de informe.
- A gente ainda tem que entender o que é o informe.
- O informe eu não sei o que é, porque defino sempre pelo que não é.
- A gente não sabe, mas entende quando vê.
- Como o medo.
- E a esperança.
- Essas coisas.
...
- Acho que exageramos, né?
- Vamos dizer assim, o informe atrapalha a definição da nomenclatura e da classificação das coisas porque nós até reconhecemos sua presença, mas falhamos em traduzi-la em palavras. Ele é reconhecível, mas não cabe em fórmulas lógicas sintéticas. É a parcela do acontecimento que extrapola o roteiro...
- O roteirizável.
- Ultrapassa o roteirizável, se é que essa palavra existe.
- E na arte, apostar nesse lugar é colocar-se em relativa fragilidade, em um campo sem garantias.
Paulo Miyada
LINHA DE ARREBENTAÇÃO | 2024 | Claudio Cretti e Flora Rebollo | 25M
Linha de arrebentação propõe um diálogo entre os artistas Flora Rebollo e Claudio Cretti, cujas obras combinam objetos e fragmentos colecionados e criados ao longo dos anos, resultando em esculturas-desenhos que se expandem e habitam o espaço expositivo da 25M. O título, inspirado em um poema de Ana Martins Marques, reflete sobre detritos e objetos trazidos pelas ondas, em um estado de "vir a ser", à espera de novas relações e significados. Nesse encontro, os artistas exploram desenho espacial, repetição e articulação, com criaturas que invadem e habitam o espaço.
Flora Rebollo (São Paulo, SP, 1983) parte da escala das mãos para composições expansivas, explorando fragmentos do cotidiano que, em suas mãos, ganham novas forma de existir. Em Tererê (2021), por exemplo, uma grande espiral de coisinhas variadas - como bitucas, pipocas, sementes, objetos amassados, brinquinhos e conchinhas – se esparrama pelo chão da galeria, criando uma trama que convida à observação tátil. Trata-se de um jogo entre o visível e o palpável, ressoando memórias táteis e gestos repetitivos. Noutro canto da galeria, um grande círculo construído por uma sequência de pontinhas de lápis grafite - Desenho (2021) - desafia o desenho tradicional, remetendo ao toque das mãos, o íntimo, ou as pequenas relíquias do dia.
Claudio Cretti (Belém, PA, 1964) desconstroi e reorganiza objetos, formando peculiares composições que preservam a memória de suas origens ao mesmo tempo em que ganham novos significados no presente. Em Sem título, da série Mafuá de trens (2022), o artista articula partes de cachimbos de jurema em uma grande estrutura pendente, composta de fornilhos de cachimbos rodeados por tentáculos de piteiras que se estendem do teto ao chão. Na obra Sem título, da série Pingente (2024), feltros de pratos de bateria de intensas cores - preta, branca e vermelha - se intercalam com peças de cerâmica e delicadas agulhas de madeira, desenhando um pendente que combina elementos da natureza, da cultura material brasileira e de objetos industrializados. Cretti provoca, assim, um diálogo entre o artesanal e o industrial, o orgânico e o cultural.
Esses trabalhos, tanto de Rebollo quanto de Cretti, permanecem em suspensão, desenhando-se e desfiando-se entre o desenho e a escultura, ou entre o fixo e o fluido. Parecem desejar escapar dos limites rígidos, lançando-se para além da linha de arrebentação. Pelas relações entre corpo, cultura e tempo, transitam entre o passado e o presente, entre a memória e a transformação.
Giovanna Bragaglia



